Thanatus, a causa secreta

Medo da morte, a causa secreta.

Reflexão sobre a morte e o ato de morrer.

Na Mitologia Grega, Thanatus é o anjo da morte, irmão gêmeo de Hipnos, o sono; são filhos de Nix, a noite e de Érebro, a escuridão do mundo inferior.

Thanatus era representado como uma nuvem prateada que envolvia os mortais e lhes arrebatava a vida.

Creio que não são as pessoas tolas as que mais dizem tolices; mas sim as angustiadas, amedrontadas, diante do enfrentamento da causa secreta. Sejam aquelas que recebem notícia de um mal incurável em seu próprio organismo, sejam aquelas informadas de que um amigo ou ente querido está desta forma diagnosticado. Isso, quando falamos na véspera da morte, situação em todos estão, com maior ou menor brevidade, afinal, morrer é o paradoxal objetivo da vida.

Uma cena do filme Chico Xavier, cômica, por sinal, mostra o médium, a bordo de um avião em forte turbulência, a gritar assustado com medo de o avião cair e todos morrerem no desastre. Surge então seu guia espiritual, Emanuel, advertindo-o com certo tom enérgico na voz "Pare com essa gritaria! Se tiver que morrer, morra, mas faça-o com dignidade, sem escândalos."

Na sociedade, nosso berço cultural, a naturalidade que deveria estar investida no ato de morrer, no ritual necessário de confirmação desta transformação (vivo em morto) tem se transformado em discursos de negação da angústia (a maior de todas: a certeza inevitável da morte, da sua morte especificamente).

As pessoas parecem sussurrar (até mesmo para não se ouvirem falar a respeito de tal assunto): "Se tiver que morrer, morra, mas não precisa fazer cara de morta. De preferência, não faça barulhos, nem queixas, nem manifestações de temor. A mim já me basta conviver com meu próprio medo da morte".

Não faça incômodos a terceiros. Tente morrer com dignidade, principalmente após longos períodos de doença que obrigam família e amigos a constantes
preocupações, a perguntar pelas suas melhoras (se as houve), quando sai da UTI, se o convênio autoriza os procedimentos, submetendo os vivos a uma tensão insuportável enquanto você, o quase morto, experimenta
cuidados paliativos, que, meu Deus! para quê? já que não vão resolver nada mesmo.

Morrer tornou-se uma cruz na vida do homem moderno, tão ocupado em seu viver globalizado, em absurda fuga de sua única certeza.

Mas, vamos lá. Tente morrer com dignidade. Dê preferência aos sábados, para que o enterro aconteça no domingo e não atrapalhe a vida de quem trabalha e vai continuar a viver, apesar de você.

Ao que tudo indica e as boas maneiras pressupõem, o ideal é que se produza um rápido e asséptico funeral: um prático "fast-funeral" (não quis abreviar para "fast-fun" porque penso que seria sarcasmo sugerir que este ritual atenderia em muito seu público alvo, se, além de "fast" fôsse igualmente "fun" (uma musiquinha mais animada, salgadinhos, etc, além das flores).

Ah, meu e seu desejo de imortalidade!

Tudo o que os vivos desejam é manter "ad infinitum" seus bens, seus afetos, sua convicção narcísica de ser absolutamente indispensável.

Mas nenhuma herança é jacente, sempre haverá alguém a me substituir na posse
de tudo aquilo que eu sempre considerei definitivamente meu.

Enquanto me agito, estou vivo e o meu desejo não se acaba. Eu quero continuar a correr atrás não sei de quê apenas porque a manada disparou (sabe-se lá quando ou porquê) e pouco me importa raciocinar sobre a possibilidade de um desfiladeiro à frente; basta me sacudir e entorpecer, tomar parte da festa da "vida".

Que fuga mais tola, essa, em nome da pura negação da minha obrigação de morrer.

Diante de um caroço, do olhar meticulosamente frio e clínico, muitos de nós ousamos falar o que não devíamos, ou sofremos por ouvir da boca de alguém bem próximo: "Isso não é nada. Se adoeceu tem que tratar."

É pouco conforto para nossos ouvidos, ainda mais quando a lógica vai buscar a ironia para completar: "Se morrer, enterra-se..."

A ironia rasa serve apenas para nos defender do não enfrentamento da iminência da morte, mas igualmente como recurso para ignorar as responsabilidades de quem ainda está vivo.

Aquele que está vivo quer aproveitar tudo de bom que a vida pode lhe
oferecer, mas precisa também cumprir os deveres cabíveis: trabalhar, pagar impostos, escovar os dentes, obrar e limpar-se, pensar e refletir, amar e comprometer-se com o outro...

Enfim, existem regras, e muitas, desde o envolvimento com suas raízes (mãe, pai, família), com seu país e planeta, com seu momento histórico, seu idioma, seu gênero ... aquilo que se pode considerar determinismo pois nos submete compulsoriamente.

Já a morte, mais que assustadora, deve ser compreendida como libertadora; o Anjo Thanatus nos outorga o pleno descompromisso com quaisquer encargos, normas ou etiquetas.

Caberá sempre aos vivos providenciar recursos para o enterro, vestir preto, chorar e atender aos rituais. Ao morto cabe apenas estar presente,nada mais.

Ainda assim, apesar dos pesares (como diz a música) seria muito agradável ficar mais um pouco, pelo amor dos que amamos e daqueles que realmente nos amam; pelas manhãs cheias de neblina, chocolate quente, pelas risadas compartilhadas, pôr do sol ao som de Ravel, caminhadas com pés descalços, beijocas roubadas, vitórias comemoradas, derrotas vividas e consoladas nos braços daqueles que nos respeitam e querem bem...

Mas quero mesmo falar do fato - a morte. Que nada exige, a nada obriga e não marca encontro (exceções à parte). Não nos consulta, não pede autorização para chegar e é das poucas coisas efetivamente democráticas que se conhecem.

Ao invés de sofrer o medo de atravessar a ponte, alinhavar discursos desconexos ou desesperados, acredito que, melhor é focar na outra margem da vida... pois parece que por lá o gramado é também verde e o pôr do sol maravilhoso.

Comentários

  1. Continuuo com medo!!! rs

    Na verdade é o medo do desconhecido..
    de como vai ser? o que vou encontrar?
    enfim, algumas varias questões..

    Fica ai uma reflexão...

    Bjos

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  2. Quando penso na morte, vem uma imagem de uma manhã ensolarada, parece domingo. Deve ser o amanhecer da minha existência na eternidade. É lindo, mas eu não tenho pressa, espero com calma.

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  3. Adorei o texto, principalmente a citação do filme do Chico Xavier...rs
    Adoro mesmo a "estorinha" do Billy e da Mandy com a participação principal do "Puro Osso".
    Um Beijo,
    Lu

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